Artigo 7.º
1. Quanto a matérias relacionadas com o art. 7.º, é de considerar as seguintes normas: o art. 121.º trata dos requisitos da publicidade no caso específico das ofertas públicas; o art. 167.º estabelece o regime das ações publicitárias no âmbito da recolha de intenções de investimento; o art. 292.º prevê que apenas os intermediários financeiros podem efetuar publicidade com vista à celebração de contratos de intermediação financeira. O n.º 3 do art. 312.º-A previa regras especiais a que deviam obedecer a indicação de resultados registados no passado de um instrumento financeiro, de um índice financeiro ou de uma atividade de intermediação financeira.
- Quanto à publicidade de produtos financeiros complexos, vide Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro, assim como o Regulamento da CMVM n.º 2/2012 (o qual foi parcialmente revogado pelo Regulamento da CMVM n.º 8/2018 e cuja versão consolidada está acessível no sítio www.cmvm.pt). O art. 2.º n.º 1 do mencionado Decreto-Lei prevê que “os instrumentos financeiros que, embora assumindo a forma jurídica de um instrumento financeiro já existente, têm características que não são directamente identificáveis com as desse instrumento, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade, têm que ser identificados na informação prestada aos aforradores e investidores e nas mensagens publicitárias como produtos financeiros complexos”.
2. Também as mensagens publicitárias que sejam referentes às matérias previstas no n.º 1 do art. 7.º devem obedecer aos critérios previstos neste artigo (n.º 2 do art. 7.º).
3. Constitui contraordenação menos grave a divulgação de mensagem publicitária que não satisfaça algum dos seguintes requisitos (art. 389.º n.º 5): identificação inequívoca como tal; aprovação pela CMVM, quando exigida; referência ao prospeto; divulgação prévia de prospeto preliminar, em caso de recolha de intenções de investimento.
4. Constitui contraordenação muito grave a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (inclui a prestação de informação aos seus clientes por qualquer entidade que exerça atividades de intermediação). Constitui contraordenação grave se os valores mobiliários ou os instrumentos financeiros a que a informação respeita não forem negociados em mercado regulamentado e se a operação tiver valor igual ou inferior ao limite máximo da coima prevista para as contraordenações graves (art. 389.º).
Ver anotação ao art. 389.º, sobre a relação entre aquele artigo e o art. 7.º
5. Compete à CMVM fiscalizar a aplicação da legislação sobre publicidade e cláusulas contratuais gerais relativamente às matérias reguladas no CdVM, instruindo os processos de contraordenação e aplicando as respectivas sanções (art. 366.º).
6. Ver anotação ao art. 1.º, relativa à Recomendação de maio de 2004 da CMVM, da qual decorre que também à designação dos valores mobiliários se aplica os requisitos previstos no art. 7.º
7. O art. 379.º-E regula o crime de uso de informação falsa ou enganosa na captação de investimento, prevendo que, para tal efeito, a informação é considerada falsa ou enganosa sempre que, designadamente, apresente situações favoráveis sem correspondência na realidade ou omita factos desfavoráveis que deveriam ser apresentados.
8. Quanto a requisitos de prestação de informações corretas, claras e que não induzam em erro, é de considerar o disposto no art. 44.º do Regulamento Delegado (EU) 2017/565, que complementa a DMIF II (Diretiva 2014/65/EU), que em seguida se transcreve:
“1. As empresas de investimento devem assegurar que todas as informações, incluindo comunicações comerciais, que transmitem a clientes não profissionais ou profissionais efetivos ou potenciais ou que difundem de tal modo que seja provável que sejam recebidas por eles, satisfaçam as condições previstas nos n.os 2 a 8.
2. A empresa de investimento deve assegurar que as informações a que se refere o n.º 1 satisfazem as seguintes condições:
a) As informações incluem a designação da empresa de investimento;
b) As informações são exatas e dão sempre uma indicação correta e clara de quaisquer riscos relevantes ao referir quaisquer benefícios potenciais de um serviço de investimento ou de um instrumento financeiro;
c) As informações utilizam um tamanho de letra na indicação dos riscos relevantes que seja pelo menos igual ao tamanho de letra predominante utilizado nas informações fornecidas, bem como uma composição gráfica que garanta que essa indicação seja bem visível;
d) As informações são suficientes e apresentadas de tal modo que sejam suscetíveis de serem compreendidas por um elemento médio do grupo a que se dirigem ou por quem são suscetíveis de serem recebidas;
e) As informações não ocultam, subestimam ou encobrem elementos, declarações ou avisos importantes;
f) As informações são sempre apresentadas na mesma língua em todas as formas de informação e material comercial que são prestadas a cada cliente, a menos que o cliente tenha aceite receber informações em mais do que uma língua;
g) As informações são atualizadas e pertinentes para os meios de comunicação utilizados.
3. Sempre que as informações procederem à comparação de serviços de investimento ou auxiliares, instrumentos financeiros ou pessoas que prestam serviços de investimento ou auxiliares, as empresas de investimento devem assegurar que sejam respeitadas as seguintes condições:
a) A comparação é relevante e apresentada de forma imparcial e equilibrada;
b) As fontes das informações utilizadas para efeitos de comparação estão especificadas;
c) Os factos e pressupostos essenciais utilizados para efetuar a comparação são incluídos.
4. Sempre que as informações contiverem uma indicação de resultados registados no passado de um instrumento financeiro, de um índice financeiro ou de um serviço de investimento, as empresas de investimento devem assegurar que sejam respeitadas as seguintes condições:
a) Essa indicação não constitui o aspeto mais proeminente da comunicação;
b) As informações devem incluir informações adequadas relativas aos resultados que abranjam os cinco anos anteriores, ou a totalidade do período para o qual o instrumento financeiro foi oferecido, o índice financeiro foi criado ou o serviço de investimento foi prestado, caso seja inferior a cinco anos, ou por um período mais longo que a empresa tenha decidido, devendo essas informações relativas aos resultados, em qualquer caso, basear-se em períodos completos de doze meses;
c) O período de referência e a fonte das informações são claramente indicados;
d) As informações contêm um aviso proeminente de que os dados se referem ao passado e que os resultados registados no passado não constituem um indicador fiável dos resultados futuros;
e) Sempre que essa indicação se basear em dados denominados numa moeda que não a do Estado-Membro em que o cliente não profissional efetivo ou potencial reside, a moeda é claramente indicada e é incluído um aviso de que a rendibilidade pode aumentar ou diminuir como consequência de oscilações cambiais;
f) Sempre que as indicações se basearem em resultados brutos, os efeitos das comissões, remunerações ou outros encargos são divulgados.
5. Sempre que as informações contiverem ou se referirem a resultados simulados do passado, as empresas de investimento devem assegurar que as informações dizem respeito a um instrumento financeiro ou a um índice financeiro e que são preenchidas as seguintes condições:
a) Os resultados simulados do passado baseiam-se nos resultados efetivos verificados no passado relativamente a um ou mais instrumentos financeiros ou índices financeiros que sejam idênticos ou substancialmente idênticos ou estejam subjacentes ao instrumento financeiro em causa;
b) Relativamente aos resultados efetivos verificados no passado, referidos na alínea a), são respeitadas as condições estabelecidas no n.º 4, alíneas a) a c), e) e f);
c) As informações contêm um aviso proeminente de que os dados se referem a resultados simulados do passado e de que os resultados registados no passado não constituem um indicador fiável dos resultados futuros.
6. Sempre que as informações contiverem indicações de resultados futuros, as empresas de investimento devem assegurar que são respeitadas as seguintes condições:
a) As informações não se baseiam ou referem a resultados simulados do passado;
b) As informações baseiam-se em pressupostos razoáveis, apoiados por dados objetivos;
c) Sempre que as informações se basearem em resultados brutos, os efeitos das comissões, remunerações ou outros encargos são divulgados;
d) As informações baseiam-se em cenários de desempenho em diferentes condições de mercado (cenários positivos e negativos), e refletem a natureza e os riscos inerentes aos tipos específicos de instrumentos incluídos na análise;
e) As informações contêm um aviso proeminente de que essas previsões não constituem um indicador fiável dos resultados futuros.
7. Sempre que as informações se referirem a um tratamento fiscal específico, devem indicar de um modo proeminente que o tratamento fiscal depende das circunstâncias específicas de cada cliente e que pode ser objeto de alterações futuras.
8. As informações não devem utilizar a designação de qualquer autoridade competente de um modo que indique ou sugira qualquer apoio ou aprovação por parte dessa autoridade aos produtos ou serviços da empresa de investimento”.
9. Sobre esta temática da qualidade de informação, vide Oliveira Ascenção, A Proteção do Investidor, in Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra Editora, 2003; Pedro Boullosa Gonzalez, Qualidade da Informação, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 49, 2014, acessível em www.cmvm.pt.
Jurisprudência / Decisões
1. “Como resulta com clareza dos textos legais em confronto, na pretérita redação da Norma [art. 7.º anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro] apenas se aplicavam os requisitos de qualidade ali descritos à informação que fosse suscetível de influenciar as decisões dos investidores, sendo atualmente aplicáveis a toda e qualquer informação”. (Processo n.º 642/08.6TFLSB que correu termos no 1.º Juízo, 1.ª Secção, do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, cujas peças processuais estão acessíveis no sítio da CMVM na internet no separador Comunicados e Contraordenações, que opôs uma pessoa singular à CMVM, tendo a Sentença datada de 4 de dezembro de 2009 transitado em julgado).
2. “(…) a informação respeitante a valores mobiliários, ofertas públicas, mercados, atividades de intermediação e emitentes terá de ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita ( art. 7.º n.º 1, do CVM).
As referidas características - que se traduzem em qualidade da informação - são conceitos indeterminados que carecem de desedificação tendo em vista a proteção dos interesses de um "investidor médio" (cf. José de Oliveira Ascensão, "A Protecção do Investidor", in Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra Editora, vol IV, 2003, pp. 15 e ss.), ou seja, um investidor normalmente diligente e norteado, no processo decisório, por critérios de racionalidade.
A informação prestada deve, portanto e à luz do que se vem expondo, corresponder com exatidão à realidade dos factos, sendo possível ao intérprete, destinatário da mensagem, reconstruir o referente com base na mensagem que recebe, existindo coincidência entre o que foi dito e o seu conteúdo (…).
Desde já se refira que, naturalmente, as notícias publicadas por órgãos de comunicação social a quem [F.S.F – pessoa singular] não concedeu qualquer entrevista, referidas nos pontos 14 e 19 dos factos provados nunca poderiam fundamentar qualquer tipo de responsabilidade contraordenacional por parte da recorrente, mas apenas tidos em consideração para enquadrar o reflexo que as declarações por si efetivamente prestadas obtiveram por parte dos leitores/espectadores, tendo presente o requisito da suscetibilidade de influenciar a decisão dos investidores [anotação nossa: este requisito da suscetibilidade de influenciar a decisão dos investidores refere-se ao art. 7.º na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro] (…).
Ora, como bem refere a recorrente na sua impugnação judicial, um facto pode ser meramente eventual e hipotético, e ainda assim ser claro. E tanto assim é que a instrução inicial do processo não se deteve na falta de clareza das declarações, que não detetou, mas antes na divulgação de informações em alegada violação das regras da confidencialidade da informação privilegiada até à respetiva divulgação.
As declarações seriam equívocas, obscuras, ambíguas se das mesmas se pudessem retirar conteúdos conceptuais diferentes, ou mais do que uma interpretação (…)”. (Processo n.º 2243/08.0TFLSB.L1 que correu termos no TRL, cujas peças processuais estão acessíveis no sítio da CMVM na internet no separador Comunicados e Contraordenações, que opôs uma sociedade emitente à CMVM, tendo o Acórdão datado de 16 de julho de 2010 transitado em julgado. A parte do Acórdão ora transcrita corresponde à Sentença da 1.ª Instância que foi citada pelo TRL e por este confirmada).
3. “Assim, basicamente, a arguida informou o mercado que naquele mesmo dia havia assinado um acordo que concretizava a aquisição, pela própria, dos negócios da Exxon Mobil na Península Ibérica, não constando de tal informação qualquer menção de caráter quantitativo que permitisse ao destinatário da mesma, ao mercado, aos investidores e aos potencias investidores, aferir do valor implícito do negócio em causa, avaliar o impacto que tal negócio teria no valor da arguida e, portanto, nos valores mobiliários por si emitidos.
Tal conhecimento, por parte do mercado, é elemento fundamental que tem que constar, de alguma forma, da informação de caráter privilegiado fornecido pela arguida.
A mera informação da assinatura do acordo com a Exxon Mobil relativo a compra, pela arguida, de ativos, daquela empresa, em Portugal e em Espanha, não chega (…).
Porém, na impossibilidade de fornecer tal elemento quantitativo, a arguida podia e devia fornecer outra menção de caráter quantitativo que seria suficiente, enquanto permitisse ao mercado aferir do impacto do negócio, em causa, na atividade da arguida, nomeadamente, através da identificação do referencial do negócio, ou seja, não se indicando o preço, indicar a forma de cálculo do valor acordado entre as partes, no negócio em causa (…).
De notar, finalmente, que a arguida alega a violação do princípio "ne bis in idem", considerando que ao ser punida pelo regulador, nos termos em que foi, por violação do timing da divulgação e relativamente ao âmbito material da referida divulgação, aquele pune duas vezes, a arguida, com base em factos que consubstanciam a mesma conduta punível, a saber, a violação do regime de informação privilegiada.
Conclui, portanto, que a CMVM desrespeita o artigo 290.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
Ora, não assiste qualquer razão à arguida.
Se é verdade que está em causa uma informação divulgada pela arguida, no mesmo dia, não existe dupla punição pelo mesmo facto.
O facto que constitui contraordenação não é o mesmo, o dever violado não é o mesmo - num caso, é o dever de divulgação imediata de uma informação que é violado enquanto que, no segundo caso, o que é violado é o dever de informação completa – as infrações são autónomas e cumulativas, tutelando bens jurídicos distintos, assim como são diferentes os regimes legais aplicáveis (…)”. (Processo n.º 705/09.0TFLSB que correu termos nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, cujas peças processuais estão acessíveis no sítio da CMVM na internet no separador Comunicados e Contraordenações, que opôs uma sociedade emitente à CMVM, não tendo a Sentença de 24 de junho de 2011 transitado em julgado por estar pendente a decisão do Recurso apresentado pela arguida).
4. “Na matéria, é inócuo que a informação tenha ou não natureza privilegiada, pois, conforme decorre do referido artigo 7.º basta que a informação respeite «a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes» e «seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores».
Do mesmo modo, é impertinente que a informação prestada tenha natureza voluntária ou obrigatória, decorra de ato espontâneo do informante ou tenha sido motivada por reação a conduta de outrem, nomeadamente por notícia da comunicação social.
Se é certo que à data dos factos a recorrente não estava obrigada a comentar todas as notícias sobre si publicadas na comunicação social, também não deixa de ser certo que devia pronunciar-se sobre as que eram suscetíveis de influenciar as decisões dos investidores.
Por outro lado, desde que haja informação por parte do recorrente, ela deve ser, além do mais, clara e completa, sendo que a ora recorrente era a única entidade que dispunha de toda a informação e, por isso, a qualidade desta dependia exclusivamente de si, dela derivando, no fundo, o desfecho em absoluto do «rumor»”. (Processo n.º 2155/09.0TFLSB.L2 que correu termos no TRL, cujas peças processuais estão acessíveis no sítio da CMVM na internet no separador Comunicados e Contraordenações, que opôs uma sociedade emitente à CMVM, tendo o Acórdão datado de 23 de maio de 2012 transitado em julgado, e estando em causa a confirmação da decisão da 1.ª Instância).
5. Configura violação do art. 7.º a utilização e divulgação num relatório de research, de informação desatualizada. (Decisão do Conselho Diretivo da CMVM datada de 23 de junho de 2010, aplicada a um intermediário financeiro, a qual não foi objeto de impugnação judicial, estando acessível em www.cmvm.pt no separador Comunicados e Contraordenações).
6. “I - Tendo os funcionários do Banco informado a cliente A., de acordo com as exactas instruções superiores por si recebidas, que a emissão do papel comercial em questão podia ser subscrita com toda a segurança, que o próprio Banco se responsabilizava pelo retorno no prazo do vencimento, garantindo o reembolso do mesmo e o pagamento dos respectivos juros, não comportando, por isso, qualquer risco, que o produto tinha, afinal, o mesmo valor que um depósito a prazo, e que a A. podia pedir o pagamento do capital e do juro que estivesse vencido antecipadamente, pode concluir-se que o Banco se vinculou, perante a A., a co-assumir a obrigação de reembolso do capital subscrito e respectivos juros que sobre a entidade emitente do dito papel comercial recaía, assegurado o pagamento como directo responsável por ela;
II- Ainda que assim se não entenda, e tendo em conta que o produto financeiro em questão não tinha as reais características descritas, sempre será de concluir que o Banco violou de forma grosseira o dever de informação a que estava obrigado, convencendo desse modo a A. a subscrever o papel comercial que, de outro modo, a mesma não subscreveria, o que o torna responsável pelos prejuízos causados à A., quer pela sua actuação na formação do contrato, quer na celebração e execução do mesmo”. (Sumário efetuado pela Relatora do Acórdão do TRL de 10 de março de 2015, referente ao Processo n.º 153/13.8TVLSB.L1-7, o qual, nesta parte, confirmou a decisão da 1.ª Instância).
O Acórdão do TRP datado de 16 de março de 2015, relativo ao Processo 234/11.2TVPRT.P1, trata de uma questão idêntica, tendo a decisão da 1.ª Instância que é referida no mencionado Acórdão ido no mesmo sentido.
Ainda, em sentido idêntico, vide Acórdão do TRL de 15 de setembro de 2015, relativo ao Processo n.º 555/12.7TVPRT.L1-7, que confirmou a decisão da 1.ª Instância que condenou os intermediários financeiros ao pagamento de valores relativos a investimentos em papel comercial que colocaram junto de investidores, estando o Acórdão em causa transcrito nas suas partes essenciais na anotação ao art. 324.º
7. “O tipo base do crime de manipulação de mercado, previsto no artigo 379º, nºs 1 e 2, exige, para o respectivo preenchimento, a verificação cumulativa dos seguintes elementos :
1. a prática de certas condutas - a divulgação de informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas; a realização de operações de natureza fictícia e a execução de outras práticas fraudulentas.
2. a idoneidade dessas condutas para alterar o regular funcionamento do mercado;
3. os elementos subjectivos do tipo.
Trata-se, assim, de um tipo alternativo.
No que concerne à conduta “divulgação de informações”, assume particular relevância o disposto no artigo 7º do CdVM, cuja redacção original nos dizia o seguinte: (…)
Por força da entrada em vigor, em 1 de Novembro de 2007, do Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, a mesma norma passou a ter a seguinte redacção no seu n.º 1: “A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.
Assim, os requisitos de qualidade da informação passaram a ser aplicáveis a toda e qualquer informação e não apenas a informação susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários, ou seja, nos termos do artigo 7º do CVM, a informação respeitante a instrumentos financeiros e seus emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco, devendo os Relatórios e Contas conter uma imagem verdadeira e apropriada do activo e do passivo, da situação financeira e dos resultados do emitente e das empresas incluídas no perímetro da consolidação”. (Processo n.º 7327/07.9TDLSB, que correu termos na 8.ª Vara do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, cujas peças processuais estão acessíveis no sítio da CMVM na internet no separador Comunicados e Contraordenações, sendo o Acórdão datado de 2 de maio de 2014).
8. “Numa primeira aproximação à resolução da questão diremos que ao referir-se no art. 251º “informação que os emitentes publiquem nos termos dos artigos anteriores”, o legislador não excluiu o que dispõe o art. 7º já que este antecede tal norma. Mas será que ao referir-se como o fez no art. 251º, o legislador se quis referir (somente) às normas que imediatamente precedem a disposição, ou seja, aos arts. 244º e segs., como defende a recorrente?
O regime de responsabilidade do emitente aplica-se, nas suas linhas gerais, não só aos deveres de informação através do prospecto (quer seja um prospecto de oferta ou de admissão à negociação), como também aos diversos deveres de informação relativa a valores mobiliários admitidos à negociação, previstos nos arts. 244º a 251º.
A nosso ver, a violação dos deveres de informação, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal da norma. Assim, se deve concluir que as imputações dirigidas à R. nos referidos processos contra-ordenacionais estariam abrangidas pelo regime especial dos deveres de informação que vimos analisando, designadamente o disposto no art. 7º do CdVM e, consequentemente, deve concluir-se que o art. 251º se refere a toda a falta de informação. Aquela norma tem como vocação a aplicação transversal a todo o âmbito de aplicação material do Código de Valores Mobiliários, como decorre do disposto do art. 2º do mesmo Código.
Por outro lado, não constituindo o art. 7º uma norma de imputação de responsabilidade civil, terá que se buscar, em primeira linha, no Código de Valores Mobiliários essa norma de imputação. E assim teremos de chegar ao art. 251º (com a correspondente remissão para o art. 243º), já que constitui a única norma atributiva de responsabilidade civil, constante no Código de Valores Mobiliários. Constitui uma norma autónoma e auto-suficiente para essa imputação. Neste sentido refere-se adequadamente no douto acórdão recorrido que “atendendo às especificidades do mercado de valores mobiliários, no âmbito da responsabilidade civil por violação de deveres de informação, o legislador consagrou um regime especial, autónomo e autossuficiente, afastando claramente a integração (v.g. da tutela indemnizatória) em qualquer outro sistema de responsabilidade civil”. (Acórdão do STJ datado de 5 de abril de 2016, relativo ao Processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1).
9. “A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está, especificamente, prevista no art. 314.º, n.º 1, [anotação nossa: correspondia, grosso modo, ao atual art. 304.º-A do CdVM] do Código dos Valores Mobiliários (CVM), sendo aplicável, atendendo à data dos factos dos autos, a versão anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.
A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (art. 314.º, n.º 2, do CVM). Consagra-se, deste modo, a presunção de culpa do intermediário financeiro, pois, atendendo à natureza do seu estatuto, está em melhores condições para poder demonstrar a ausência de culpa no exercício da sua atividade de intermediação financeira, sendo certo que, nas relações com todos os intervenientes no mercado, o intermediário financeiro deve observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304.º, n.º 2, do CVM), para além de dever ainda orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado (art. 304.º, n.º 1, do CVM). Trata-se, neste caso, da adaptação específica do critério da culpa abstrata, consagrada, em termos gerais, no art. 487.º, n.º 2, do Código Civil (CC), à atividade da intermediação financeira, para efeitos de efetivação da responsabilidade civil do intermediário financeiro.
A ilicitude do comportamento do intermediário financeiro, como já se referiu, poderá provir da violação do dever de informação, expressamente invocada no caso vertente.
Na verdade, segundo o art. 7.º, n.º 1, do CVM, a informação disponibilizada pelo intermediário financeiro, designadamente sobre produtos financeiros, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, de modo a tornar possível ao interessado (investidor) uma decisão devidamente esclarecida e fundamentada. Nesse dever específico de informação releva, designadamente, o risco especial envolvido na operação financeira a realizar, bem como o grau de conhecimentos e experiência do cliente (art. 312.º do CVM).
A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. O dever de informação, com semelhante densidade, pressupõe da parte do intermediário financeiro um comportamento ativo, não podendo limitar-se à simples satisfação de eventuais pedidos de esclarecimento solicitados pelo cliente, num significativo reconhecimento da complexidade do mercado de capitais e da necessidade de salvaguardar a confiança dos investidores, condição fundamental para a sustentação e desenvolvimento de tal mercado, assim como as suas poupanças. Como reconhece a doutrina, a informação deve ser técnico jurídica, simples, direta e eficaz (A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, 2006, pág. 291).
Determinado o alcance normativo do dever de informação, vejamos então os factos provados – os únicos que podem relevar para a decisão – para verificar da sua alegada violação e, como tal, do preenchimento da ilicitude, um dos pressupostos da responsabilidade civil.
Os Recorrentes, clientes do Recorrido Banco desde 1993, dirigiram-se-lhe e deram-lhe conta, nomeadamente ao Recorrido DD, seu gestor de conta desde 2004, que pretendiam realizar uma aplicação financeira, solicitando uma proposta com uma taxa de juros mais elevada do que a aplicada nos depósitos a prazo.
O Recorrido DD apresentou-lhes, então, a subscrição de obrigações emitidas por entidades estrangeiras, com rating A ou B, que apresentavam taxa de juros mais elevada, nomeadamente na ordem dos 6 %.
Com base nessas informações e após instruções nesse sentido, em 14 de fevereiro de 2006, foram subscritas pelos Recorrentes 250 obrigações perpétuas EFG Hellas, correspondente a € 250 000,00, com uma taxa de remuneração, pelo menos, de 5 %. Nessa data, o rating atribuído pela Moody`s a tais obrigações era de “Baa1”.
Mais tarde, e em condições similares, subscreveram, em 28 de agosto de 2007, 200 obrigações Kaupthing Bank, correspondente a € 199 154,88, tendo estes títulos o rating de A2 e, atribuído pela Moody`s.
Em 4 de setembro de 2007, os Recorrentes subscreveram ainda mais 50 obrigações perpétuas Kaupthing Bank, no valor de € 49 870,59.
À data da subscrição, o Recorrido DD considerava tais produtos financeiros como “produto conservador” e garantia aos clientes, inclusive aos Recorrentes, que o capital seria reembolsado na data do vencimento, nutrindo aqueles confiança no Recorrido D..., enquanto funcionário bancário.
Até à crise financeira de 2008, os Recorrentes não tinham noção da existência do risco de perda total do capital investido.
Em outubro de 2008, por efeito da crise financeira, que provocou a desvalorização acentuada da moeda, nomeadamente na Islândia, o banco islandês Kaupthing foi nacionalizado e, em 2009, entrou em processo de liquidação, tendo os Recorrentes reclamado o crédito de € 270 859,38.
Por efeito da mesma crise financeira, nomeadamente pelas suas repercussões na Grécia, as obrigações EFG Hellas, em julho de 2011, não tinham valor de mercado.
Na verdade, é inequívoco que entre os Recorrentes e o Recorrido Banco foram celebrados dois contratos comerciais de intermediação financeira, porquanto os primeiros, pretendendo investir na subscrição de certas obrigações estrangeiras, solicitaram tal serviço de intermediação ao último, registado na CMVM como intermediário financeiro, que o executou de acordo com as instruções recebidas. Tais factos, efetivamente, tipificam dois negócios jurídicos entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (J. ENGRÁCIO ANTUNES, Os Contratos de Intermediação Financeira, BFDC, 85, 2009, pág. 281).
A qualidade de intermediário financeiro atribuída ao Recorrido Banco confere-lhe um dever específico de informação para com o cliente, de modo a que este possa tomar uma decisão de investimento devidamente esclarecida e fundamentada.
É esse dever de informação, nomeadamente na fase pré-contratual dos contratos, que os Recorrentes entendem ter sido violado pelo Recorrido Banco, nomeadamente por causa da informação incompleta, inexata e incorreta, que não correspondia à verdade.
Da matéria de facto provada resulta que os Recorrentes, que pretendiam um produto financeiro, com rentabilidade superior à dos depósitos a prazo, foram informados dessa possibilidade mediante a subscrição de obrigações estrangeiras, com rating A ou B, com taxa de juro na ordem dos 6 %. Perante as informações prestadas pelo Recorrido Banco, os Recorrentes decidiram-se pela subscrição de tais obrigações, nomeadamente em 14 de fevereiro de 2006, 28 de agosto de 2007 e 4 de setembro de 2007, tendo recebido juros pelo capital investido.
Desde logo, não se surpreende que as informações fornecidas, nomeadamente as mais concretas, não tivessem correspondido à verdade ou fossem incorretas, inexatas e incompletas. Com efeito, não existe qualquer prova nesse sentido, sendo certo, por outro lado, que dos factos declarados como não provados é ilegítimo retirar a prova do seu contrário. Esses factos, os não provados, pura e simplesmente, não existem para o processo e, como tal, não são suscetíveis de produzir quaisquer efeitos jurídicos.
É certo, porém, que em meados de setembro de 2008, a crise financeira mundial atingiu efeitos muito graves, dando origem a insolvências e quebras em instituições financeiras, designadamente na Islândia, onde o Kaupthing Bank foi nacionalizado e, depois, entrou em processo de liquidação, no âmbito do qual os Recorrentes reclamaram o crédito de € 270 859,38, e para cuja reclamação contaram também com a colaboração do Recorrido DD.
A crise financeira mundial, no entanto, não foi prevista, nem tão pouco foi previsível.
Neste contexto, não era possível ao Recorrido Banco ter prevenido os Recorrentes de tal risco, quando no princípio de 2006 lhes anunciou a possibilidade de subscrição das obrigações estrangeiras, não lhe podendo ser imputada, a esse propósito, qualquer falha de informação sobre o produto financeiro. Aliás, nem os próprios Recorrentes ousaram chegar tão longe, sendo certo que, depois de mais de um ano da primeira subscrição, insistiram em novas subscrições de idênticas obrigações, certamente confortados pelos proveitos que estavam a auferir das obrigações anteriormente subscritas.
É verdade ter ficado provado que o Banco Recorrido, através do seu funcionário, o Recorrido DD, garantiu aos Recorrentes que o capital investido seria reembolsado na data do vencimento.
Todavia, não está provado que a garantia do reembolso do capital investido coubesse ao Recorrido Banco.
A afirmação do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, sendo certo também que o maior rendimento de qualquer aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco. De resto, e contrariando a ideia da garantia absoluta do reembolso do capital investido, os Recorrentes não lograram provar que o “negócio não envolvia qualquer risco” (resposta negativa ao artigo 20.º da petição inicial – fls. 938).
O risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, sendo embora variável, consoante o tipo de aplicação. Na verdade, até aplicações de depósito a prazo, com juros baixos, não estão totalmente isentas de riscos, dado que as instituições financeiras, como se tem observado um pouco por todo o lado, também não estão completamente imunes à insolvência, apesar da sua sujeição à supervisão de entidades públicas. A possibilidade de risco poderá ser remota, mas não poderá ser inteiramente excluída.
Ora, desde que o risco não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, não pode deixar de correr por conta do titular do direito, porquanto quem goza das suas vantagens também está sujeito a suportar as suas desvantagens (ubi commoda, ibi incommoda).
Embora os Recorrentes tivessem confiado no produto financeiro que lhes foi apresentado, depois de terem procurado uma aplicação financeira bem mais atrativa do que a dos depósitos a prazo, sendo certo que depositavam confiança, enquanto funcionário bancário, no Recorrido DD, tal não significa que a decisão autónoma da sua subscrição se tivesse ficado a dever à circunstância do Banco Recorrido ter garantido que o capital investido seria reembolsado. Na verdade, não está demonstrado que os Recorrentes se tivessem determinado pela subscrição das obrigações estrangeiras por efeito da garantia do reembolso do capital investido. Aliás, até à crise financeira de 2008, os Recorrentes nem sequer tinham a noção da existência do risco de perda do capital investido, fazendo supor que a questão do reembolso do capital nem sequer terá sido objeto de ponderação, quanto mais da decisão de subscrição das obrigações estrangeiras.
Perante o mencionado circunstancialismo, não é possível surpreender qualquer violação do dever específico de informação, por parte dos Recorridos, razão pelo qual não se encontra verificado o requisito da ilicitude”. (Acórdão do STJ de 12 de janeiro de 2017, relativo ao Processo n.º 428/12.3TCFUN.L1.S1).